As virtudes da boa escrita empresarial

20/04/2017 12:33

Respeite o tempo do leitor

 

Segundo o escritor Mario Vargas Llosa, “Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias”. Se refletirmos sobre a afirmação do mestre, forçoso reconhecer que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, quando se fala na formação de um público comprometido com a leitura.

Segundo pesquisa conduzida pelo Instituto Pró-Livro, publicada na Imprensa Oficial, temos no Brasil 88,2 milhões de leitores, ou seja, 50% da população – 7,4 milhões a menos do que em 2007, quando 55% dos brasileiros se diziam leitores. Podemos considerar o preço do livro como o vilão desta história? A pesquisa aponta que não. O preço fica em 13º lugar como razão para se ler menos (2% dos entrevistados). A falta de interesse ocupa o primeiro lugar (78%) e a falta de tempo (50%) é o segundo motivo apontado pelos entrevistados.

A pesquisa também ressalta que o livro tem hoje uma série de concorrentes – 85% das pessoas preferem assistir tevê em seu tempo livre e 52%, ouvir música. Isso sem falar da força avassaladora da internet e das redes sociais, que vêm ocupando espaço cada vez maior no dia a dia dos brasileiros.

Estudo piloto feito pelo IBGE em quatro estados (Pará, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco), além do Distrito Federal, com mais de 5 mil pessoas dissecou a questão da repartição do tempo. O que se pôde constatar é que a leitura ocupa fatia apenas residual do dia a dia do brasileiro: seis minutos em média por dia, enquanto ficamos 2h35min à frente da televisão. Segundo Cíntia Simões Agostinho, economista e demógrafa do IBGE – e uma das autoras da pesquisa, esses seis minutos são ainda menores quando a comparação é feita por idade. Entre 10 e 24 anos, a parcela cai para três minutos, tempo que vai subindo conforme se envelhece. Entre os mais velhos, com 60 anos ou mais, o tempo dedicado é de 12 minutos. Os mais velhos também ficam mais tempo à frente da TV: três horas e três minutos.

Robert Gentle faz considerações interessantes relativas ao tempo médio de leitura e à atitude do leitor diante de vários tipos de documentos, alguns dos quais pertencentes ao discurso empresarial. Observe o quadro a seguir:


2 Dados de 2011.

3 Estudo apresentado durante o 35º Congresso Internacional de Uso e Tempo, realizado no Rio de Janeiro, promovido pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, IBGE, Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ONU Mulher.

4 Robert Gentle - “A redação comercial que funciona”. Editora Futura.

5 Informações adaptadas e atualizadas pelo autor deste artigo.

 

 

 “Quadro 1” – O que o leitor realmente pensa

 

Documento

Tempo médio de leitura

Atitude do leitor

Livro técnico/livro de ficção

3 a 8 horas

Você investe tempo: o assunto é de seu interesse e você pagou por ele.

Revistas temáticas de lazer

30 a 40 minutos

Os assuntos são os mais variados possíveis: turismo, vinhos, charutos, celebridades... O consumo dessas revistas representa fonte de prazer.

Jornais diários/revistas de atualidades como Veja, Isto é, Carta Capital, entre outras

35 a 39 minutos

Ajudam a preencher necessidades de atualização/informação. Normalmente, você para de ler quando entra em férias.

Relatório/parecer

3 a 8 minutos

A leitura se limita ao resumo executivo. Você folheia as páginas seguintes e se fixa, por segundos, em alguma ilustração ou tópico que desperte interesse.

Web sites

30 segundos a 1 minuto

Se não encontrar algo de seu interesse, você “cai fora”.

E-mails

5 a 15 segundos

Tempo suficiente para eliminar os spams e salvar as informações de seu interesse.

Correspondências comerciais

30 segundos a dois minutos

Tempo suficiente para ler a correspondência arquivar o que for de interesse e deletar o que for inútil

Anúncio ou panfleto

10 a 15 segundos

Se não encontrar algo de seu interesse, você “cai fora”.


6. Dados também coletados da Associação Nacional de Jornais. Disponível em www.anj.org.br/tempo-de-leitura

 

Independentemente das eventuais discrepâncias entre os números apresentados e o tempo que você utiliza para dar conta de sua leitura, dá para perceber que a era da informação e do conhecimento instaurou uma nova forma de pensar um mundo onde o tempo se tornou a matéria-prima mais escassa – e disputada – do mercado. Diante dessa constatação, tudo o mais é balela, diante da questão primordial: Quanto tempo você acha que o leitor está disposto a gastar para ler seu trabalho e que estratégias devem ser utilizadas para que ele não abandone a leitura?

 

As três dicas a seguir certamente irão ajudá-lo a melhorar sua performance comunicativa:

1. Procure tornar sua informação mais visual. Utilize textos curtos, apoiados em ilustrações, utilizadas para corroborar o que está sendo dito. Segue um belo exemplo, elaborado pelos Profissionais da CNI.

Medo do desemprego cresce 32,1%

O Índice de Medo do Desemprego cresceu 32,1% entre dezembro de 2014 e março de 2015, maior crescimento verificado na série histórica, que tem início em 1999.

O Índice de Satisfação com a Vida registrou uma redução de 8,5%, levando o indicador a 94,7, o menor desde 1999, início da série histórica.

Março 2015

 

Em tempo:

De modo geral, leitores serão bastante críticos, se confrontados com gráficos ou tabelas irrelevantes. A inclusão de uma ilustração gera a expectativa de que a informação retratada ou sintetizada é importante e merecedora de realce. Administrar as expectativas do leitor implica incluir ilustrações que representam partes significativas do argumento central do texto.

Disponível no site www.cni.org.br/ 

 

2.       Trabalhe exaustivamente a concisão.

Se você levou cinco minutos para ler – e entender – as três primeiras páginas daquele Manual de Procedimentos, elaborado pela área de Qualidade, basta fazer as contas:

  •   Se o Manual tem 102 páginas, você levará, pelo menos, 510 minutos para chegar ao final do trabalho.
  •   510 minutos correspondem a oito horas e meia ininterruptas de leitura.
  •   Partindo do princípio de que você tem de

a.    atender e dar telefonemas;

b.    cuidar de sua correspondência eletrônica;

c.    participar de reuniões;

d.    almoçar;

e.    parar para um cafezinho;

f.    ir ao banheiro;

g.    dar conta de inúmeras outras atividades.

Das duas uma:

  •     Ou você não vai ler o Manual de Qualidade – e assumir sua falta;
  •     Ou você vai fingir que leu o Manual de Qualidade.

 

Para que isso não aconteça, o redator deve seguir as seguintes orientações:

a.    corte adjetivos e advérbios e fique com os substantivos;

b.    descarte exemplificação exaustiva dos procedimentos relatados, fuja do detalhamento inútil;

c.   direcione complementos para apêndices e anexos. Anexos são ótimos para inserir modelos e padrões (fichas de inscrição, conteúdos programáticos, questionários, etc.), ilustrações e textos de apoio, (metodologia, jurisprudência, organogramas, etc.) e tudo o mais que você julgar acessório;

d.    elimine comentários pessoais e digressões inoportunas, que fujam do escopo do texto;

e.    evite “poluir” o texto com excesso de fundamentação legal;

f.   fuja de tentação de  dissertar sobre o óbvio. Esse procedimento, além de desnecessário, é fonte permanente de muita encrenca e confusão.

g.    prefira a ordem direta e elimine o excesso de voz passiva;

h.    procure usar expressões sintéticas. Na maioria das vezes, uma palavra diz o mesmo que duas ou três juntas;

i.     reordene as informações com base no critério “O que o leitor precisa saber”;

j.     resista à tentação de adentrar pelo caminho das minúcias. É pura perda de tempo.

k.  tenha como foco uma sequência de ilustrações. Cada esboço ou rascunho do texto final deve girar em torno de caixas de texto, diagramas, fotografias, gráficos, mapas e tabelas, considerados suficientes para exibir os procedimentos.

3.   Cuide da legibilidade

Embora seja impossível controlar a atenção do leitor, há certas técnicas cujo efeito é facilitar a comunicação – e mesmo de provocá-la ou retomá-la. Chama-se legibilidade à qualidade de um texto que permite leitura menos árida; conduzindo a uma maior – e, sobretudo, mais rápida – compreensão da mensagem.

a.  Quanto à escolha das palavras, prefira:

1. Palavras curtas – palavras longas exigem mais tempo e maior esforço para decodificação.

 

       2. Palavras de uso comum – arcaísmos, neologismos e estrangeirismos impõem-se com dificuldade.

       

7 No Direito, a palavra  writ é empregada nas peças referentes a "Habeas Corpus" e  Mandado de Segurança, em que é pedida a concessão do writ, ou seja, pede-se a concessão da ordem, do pedido formulado nessas petições.

 

b. No que diz respeito à construção de frases, prefira:

1.  frases cuja construção deixe transparecer suas articulações;

2.  proposições cuja extensão não ultrapasse a capacidade de leitura e de memorização do leitor (parágrafos com até 40 palavras ou 350 caracteres);

3.  frases cuja estrutura seja conhecida e previsível (inversões frequentes e sintaxe rebuscada dificultam a legibilidade).

 

Se o objetivo é compor mensagem legível – e economizar o tempo do leitor –  deve-se ter o cuidado de excluir as palavras longas, as palavras raras e as palavras complexas.